Sunday, June 15, 2014

A gota de água


Durante algum tempo, após o meu diagnóstico, senti que "enlouqueci" um pouco. Parecia estar num estado diferente do normal, mais ansioso, mais propenso a atitudes drásticas ou emocionais. Sentia-me frequentemente à beira de algo e esse algo não era bom... Este estado acabou por se estender no tempo, não de forma constante, mas sim esporádica. Sentia que tinha havido uma montanha russa de sentimentos tão intensa dentro de mim, que ia demorar até conseguir estabilizar. Por vezes, justificava determinados comportamentos com tudo o que me tinha acontecido: estados mais nervosos, mais apáticos, reacções mais extremas, etc. E, de facto, era verdade. Mas estes momentos começaram a ser cada vez menos frequentes até, eventualmente, ter chegado à conclusão que já não podia usar a "desculpa" do hiv para justificar os meus comportamentos menos correctos ou "normais". Comecei a sentir-me eu próprio, finalmente. Mas entretanto, havia um padrão criado que tinha de ser corrigido: a atribuição de estados de espírito ou atitudes ao facto de ter hiv e de ainda estar a adaptar-me a toda a situação. Percebi que já estava adaptado e não podia esconder-me atrás do hiv e daquilo que tinha sofrido. "Agora já não tens desculpa."

No entanto, há uma sensação que continua a existir e que talvez necessite de um maior controlo da minha parte. Quando tudo corre mal, quando me sinto frustrado com o meu trabalho, quando tenho pouco dinheiro, quando me sinto negligenciado pelos amigos, quando me sinto só e desapaixonado, o hiv é a gota de água que facilmente me envia numa espiral de depressão. "E para além disto tudo, ainda tenho hiv...". Racionalmente, esta é uma táctica de self-pity que me irrita imenso e com a qual não quero ser conotado. Há poucas coisas tão unsexy como pessoas que sentem pena delas próprias. Mas admito, infelizmente, que por vezes caio nisso. E é errado. Principalmente, quando conseguimos perceber, através do véu dessa mini depressão, que nos estamos a aproveitar de uma situação cada vez melhor resolvida na nossa cabeça para adicionar um pouco de drama. E quando nos apanhamos a usar essas tácticas, não há como nos escondermos de nós próprios. Conseguimos sempre perceber que estamos a fazer batota.

Penso que faz parte da "recuperação" do hiv, aprender a não usá-lo como desculpa. Se de facto me sinto melhor, mais no controlo de mim próprio e da minha vida, se sinto que o hiv já não é assim tão complicado, porque é que vou usá-lo para demonstrar/ enfatizar a mim próprio como a minha vida é difícil em alguns momentos? Essa gota de água tem de deixar de existir, simplesmente. E sinto que tenho de me policiar mais nesse sentido. Às vezes, pergunto-me qual é exactamente o meu problema. Se não tivesse hiv e tudo o resto fosse igual, sentir-me-ia na mesma? Ou o hiv agrava? Se não tivesse hiv, seria mais feliz no trabalho? Teria mais dinheiro? Teria um namorado? Não, tenho de ser honesto e dizer que o hiv agrava muito pouco nesta fase. E, por isso, tenho de deixar de ceder à tentação de desculpar ou justificar o menos bom na minha vida com este vírus. Trata-se de ser honesto e é mais uma parte de todo o propósito de retomar as rédeas da nossa vida. E, tal como muitas outras coisas, esta mudança exige esforço, exige de mim. Mas é mais um passo rumo à libertação total. E eu não quero falhar nem um.


Friday, April 18, 2014

Uma pequena nota...


Esta semana houve alguém que me deixou um comentário num post. Essa pessoa foi diagnosticada no dia em que colocou o comentário, começou a fazer uma pesquisa desenfreada na internet acerca do assunto (como me lembro desse momento...) e deu com este blog. Receber este tipo de comentários é muito gratificante. Ao mesmo tempo, dói-me imaginar a confusão e revolução que está naquela cabeça neste momento...

A verdade é que o tempo cura muita coisa e nenhum de nós está sozinho. O meu email (serounaoserpositivo@gmail.com) está disponível para quem quiser "falar". Força!

Edge


Já há muito tempo que não escrevia aqui. Desde a última vez, muito aconteceu e muito começou a mudar. Felizmente, o tal cansaço de que falava no último post começou a desaparecer há algum tempo atrás. Há uma aceitação diferente de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos. Há pazes a serem feitas.

Houve vários factores que contribuíram para este processo, para este caminho. Comecei a sentir a necessidade, bem como a possibilidade, de mudança em mim. Precisava de dar mais passos em direcção à pessoa que sempre ambicionei ser, à vida que sempre imaginei que teria. Com o tempo, apercebemo-nos que aqueles sonhos de adolescência, os ideais, as expectativas, não acontecem por si só. A tal ideia de "the universe works with us, not for us". E, a certa altura, percebi que não só precisava de me aproximar desse ideal, de fazer um esforço para que isso acontecesse, como me sentia preparado para começar a trabalhar essas mudanças. E é nesse processo que entrei há uns meses atrás e que está a ser cumprido gradualmente.

Parte importante deste processo era libertar-me de "pesos", deixar segredos para trás, porque na verdade já não era importante mantê-los. E, por isso, decidi contar aos meus pais acerca do hiv. E foi uma sensação tão boa ou melhor do que eu antecipava. Claro que há as reacções de tristeza e de choque, são naturais. Mas há também a aceitação, a partilha. E nesta fase, sinto-me bem o suficiente para poder contar-lhes e depois tranquilizá-los de que realmente estou bem.

Os médicos e terapeutas apontam sempre para um período de luto de 12 meses, após um diagnóstico de hiv. Eu tentei cumprir esse prazo mas não consegui. Um ano não chegou para digerir tudo o que tinha acontecido. Houve uma altura em que não sabia como iria deixar esse luto para trás, como aceitar. Mas com o tempo comecei naturalmente a concentrar-me noutras áreas da minha vida e o hiv passou a ocupar uma gaveta cada vez mais pequena... Houve momentos em que pensei que nunca iria sentir isto...

Esta é uma fase auspiciosa. Estou quase a "celebrar" dois anos de diagnóstico e sinto pela primeira vez que posso e preciso realmente de celebrar. Estar grato por estar aqui, por ter passado o que passei e por ter conseguido chegar "ao outro lado", melhor, mais crescido, mais confiante e na fronteira da felicidade.

Sunday, December 1, 2013

A verdade está sozinha

Este post é um desabafo.

Sinto-me cansado. Sinto-me mesmo cansado. Esta sensação tem vindo a espreitar há algum tempo já. Tenho ignorado, tentado fazer com que desapareça mas ela volta. O cansaço que advém das emoções, dos sentimentos que batalham aqui dentro. E não dá mais para ignorar, não dá mais para varrer para debaixo do tapete, não dá mais para fingir que não existe.

Isto de tentar conviver pacificamente com uma doença tem muito que se lhe diga. Eu não estou doente, não me sinto doente. Parece-me cada vez mais que o hiv é uma doença mental do que qualquer outra coisa. Tento habituar-me, tento viver bem com isto mas não é fácil e pergunto-me se alguma vez será um problema inexistente. Tento novas abordagens: tento o confronto, tento a exposição, tento a falta de receio, de vergonha. Mas, de alguma forma, tenho vindo parar sempre a esta solidão em que me encontro. E essa é a derradeira conclusão: sinto-me só. O que, na verdade, não faz grande sentido. Tenho a certeza que há pessoas com hiv e que se encontram em situações tão piores. Situações de desespero, de verdadeira solidão, de isolamento. E quando penso nisto sinto-me um puto mimado. Mas, como diz a sabedoria popular, "com o mal dos outros podemos nós". Verdade.

Tenho tentado novas abordagens, como disse. Tudo isto passa por arriscar em situações que são novas desde o diagnóstico, como por exemplo, conhecer alguém, interessar-me por alguém. Tenho tentado ser corajoso e assumir-me como sou, desde o início. Para quê? Para evitar perdas de tempo. Não me apetece andar a iludir alguém (incluindo a mim próprio) e atrasar uma revelação que pode ou não condicionar o resto. Assim, falo, assumo, revelo. Ao mesmo tempo, para tentar pautar a minha atitude perante a vida e este vírus com honestidade, abertura, coragem. E a dificuldade não reside aí. O problema está em algo muito maior do que dizer a alguém "tenho hiv". O problema é lidar com situações que acontecem a toda a gente, mas à luz desta nova condição. O problema é lidar com a rejeição. O problema é pensar no futuro.

Antes do hiv, achava que encontrar alguém com quem partilhar uma vida não era tarefa fácil. Pior ainda se se fosse homossexual. Pior ainda quando se é homossexual com hiv. E, por muito que possam existir pessoas em situações piores, por muito que a rejeição aconteça a tantos, por muito que estes sentimentos sejam comuns, tenho de, muito simplesmente, perder o pudor e deixar-me de merdas e dizê-lo. Sinto-me só.

A solidão é estranha. Quando se instala, é quase imperceptível. É necessário haver um vislumbre de algo muito melhor para de repente percebermos a diferença. E é nesse ponto que me encontro. Conheci alguém, após muito tempo sozinho. Dei-me a conhecer, por inteiro. E a sensação de ter alguém a segurar-me a mão, a agarrar-me o corpo, foi tão boa. Tão, tão boa. E, de repente, acabou. Fui rejeitado. E não vale a pena dramatizar (ainda mais...), isto acontece a toda a gente. O problema aqui é que, pelo contraste com os últimos (largos) tempos, isto veio demonstrar o quanto eu sentia falta disto. A dor aqui não é o ter sido rejeitado, eventualmente isso há-de passar. A grande questão foi a revelação dura, simples, fria, de que, na verdade, sinto-me sozinho. E perceber isso em mim deixa-me triste. Sinto-me triste ao perceber que foi aqui que a vida veio dar, mesmo que apenas por enquanto. Olho à minha volta e vejo motivos de orgulho, de satisfação. Mas porque é que é tão difícil adequar as proporções de todas as partes da nossa vida? Porque é que as vitórias parecem tão menores quando comparadas com o que nos falta, o que nos dói? Apetece abanar-me a mim mesmo e dizer, alto e bom som, com alguma agressividade, "Deixa de ser parvo, deixa de sentir pena de ti próprio, deixa de dramatizar." Mas... isso é o que tenho andado a dizer a mim mesmo nos últimos meses...! Hoje não me apetece mais fazer isso. Hoje apetece-me olhar no espelho e dizer a verdade, assumir aquilo que sinto, em vez de usar argumentos para tentar fazer-me sentir melhor. Talvez, às vezes, necessitemos disso, de simplesmente assumir o que sentimos, mesmo que seja para ficarmos tristes durante um pouco. Talvez se me permitir ficar triste um pouco, amanhã acorde melhor. 

Hoje, não tenho hipótese. Esta constatação tem vindo a aproximar-se do meu consciente, cada vez mais, cada vez mais perto. E agora, aqui está. E aqui estou eu. Mais uma vez, ponho a minha atitude defensiva, combativa. Nada me manda abaixo, nada. E isto não vai ser nada, não há-de ser nada... no futuro. Hoje, presente, ainda é qualquer coisa.



Como disse no início deste post, isto foi um desabafo. Ao reler o que escrevi, não consigo sequer ter a certeza que irá fazer algum sentido se alguém o ler. Mas mantendo a filosofia do desabafo, vou deixar assim, em discurso livre, em torrente de pensamentos.

E com a proporção adequada: é só um desabafo.

Friday, November 8, 2013

Revelação, Tempo , Caminho


Hoje, faz um ano e meio desde o meu diagnóstico.

Tudo tem sido mais fácil, ultimamente. A medicação tornou-se um hábito, regular e consolidado. As idas ao hospital para análises, vacinas, consultas, comprimidos, também... é chato, mas faz-se. Nada na minha vida de todos os dias mudou.

Há coisas, no entanto, que continuam a assombrar-me. Nestes últimos dias, tive um grande confronto com várias dessas situações. O estigma, a discriminação, a revelação do status.

Sem ter dado muito por tudo isto a acontecer, de repente tive de lidar com uma possível situação de discriminação no trabalho. Nunca tinha imaginado como é que algo assim poderia ser. A possibilidade de me ser negada uma oportunidade, unicamente por ser seropositivo. Decidi enfrentar tudo e todos, ser claro, honesto, frontal. Revelei a minha "condição": "Temos aqui uma situação... sou seropositivo." Silêncio.

Por razões que não estão relacionadas com este assunto, este novo trabalho acabou por não acontecer. Mas a dúvida ficou: será que o hiv ia ser um obstáculo ou não? Sei que eventualmente terei de lidar com esta realidade. Mas este pequeno preview foi suficiente para me assustar. Nunca me tinha sentido assim. Algo inerente a mim, imutável, poderia impedir-me de obter um trabalho para o qual tinha sido especificamente seleccionado. Sei que muitos já passaram por isto e dói-me pensar que muitos ainda passarão. Não é justo, não é justo, não é justo. E o medo de as pessoas saberem do hiv tornou-se muito menor perante o medo de realmente ser rejeitado por isto. É óbvio que comecei a imaginar o que fazer nesse caso, até mesmo em termos legais, pois embora não esteja totalmente esclarecido em relação a estas situações, penso que seja ilegal discriminar alguém numa situação de trabalho devido ao seu estado serológico. No entanto, se chegasse a essas instâncias, o mal maior estaria feito: o ter sido, de facto, discriminado. E esse é o grande problema. É o que isto faz à cabeça de alguém, à confiança, à auto-estima. Como se não fosse suficiente o facto de ter de "carregar" isto para o resto da minha vida, o mal ainda tem de se espalhar pelas outras áreas da minha vida. Sempre me disseram que "isto" não ia alterar em nada a minha vida. Mas somos feitos de carne, ossos e sangue. E hiv, também. Por isso, a lenga lenga de "nada tem de mudar" só é verdade até certo ponto. E essa lenga lenga é necessária, porque reconfortante, mas só até determinada altura. É falsa, ou pelo menos, apenas parcialmente verdadeira.

Ao mesmo tempo, aliás, tudo isto no mesmo dia, avizinhava-se mais um momento de revelação. Estava envolvido com alguém há pouco tempo e tinha chegado o momento de falar sobre o hiv. Ponderei muito sobre se havia de o fazer ou não, se o devia fazer neste momento ou não. Penso que seja uma decisão muito pessoal. A minha terapeuta diz: "desde que tomes todas as precauções, desde que sejas responsável e não comprometas a outra pessoa, a revelação deste assunto é pessoal, a escolha é só tua". Confesso que, ao ouvir isto, houve alguma pressão que desapareceu. Mas, ao mesmo tempo, não consigo não ser honesto. A vontade de querer ser verdadeiro é maior que o medo de contar. Aliás, o medo nem é de contar, é do que vem depois. Porque ao contarmos a alguém, seja no contexto profissional ou de uma relação, há que estar preparado para lidar com as consequências: o choque, a negação, a raiva, o medo... Podem existir tantas reacções diferentes... Mas é necessário tentar construir algum tipo de preparação para o que vem a seguir. Neste caso, houve algum choque mas houve uma boa aceitação das notícias. Não houve pânico nem nada parecido. Também não vai haver relação, mas não me parece que tenha necessariamente a ver com o hiv. Seja como for, foi intenso, foram dias intensos. E que fizeram com que, mais uma vez, o fantasminha do hiv estivesse presente em cada hora de cada dia. Não foi fácil.

Luto todos os dias contra a amargura. Não quero ficar amargo, não quero criar ressentimentos em relação à vida. E esta é uma grande tarefa. Continuo a acreditar que vêm aí coisas que farão tudo valer a pena. E, lá está, como digo muitas vezes, esta é a minha cruz mas toda a gente tem a sua.  Todos temos problemas diferentes e que nos afectam de formas variadas. Isto foi o que me calhou a mim. Para quem estiver a ler isto e achar que tudo acontece por acaso, tentem não revirar os olhos... Mas eu acredito realmente que há coisas que nos são destinadas, para podermos aprender e crescer com elas. É isto que faz algum sentido para mim. E o tempo passa e eu vou aprendendo devagar a lidar com o que tenho. 

E quando penso em alguém que acabou de ser diagnosticado e lê este blog à procura de algum conforto, fico triste, porque não quero assustar ninguém. E penso no longo caminho que essa pessoa tem (temos...) pela frente. E torna-se de facto mais fácil com o tempo! Mas ainda não é simples, ainda não se tornou irrelevante. Ainda estou a trabalhar nisso.

Um dia de cada vez...


Saturday, July 13, 2013

Prince Charming


Eu, que sou rapaz solteiro, procuro o Amor. Aqui está: procuro o Amor. Sempre procurei e penso que continuarei a procurar até o encontrar. Sou romântico, mas raramente lamechas. Mas, de facto, acredito que (uma boa) parte da minha realização emocional está-me reservada nessa experiência.

Ao longo dos anos, fiz apenas uma tentativa real e consciente, um investimento a sério em alguém que imaginei, durante algum tempo, que pudesse vir a ser essa pessoa. Essa experiência fracassou.
Mas desistir é impensável. E é aqui que entra o Prince Charming. Sim, eu sou mais um dos incontáveis ocidentais que foi desmesuradamente influenciado pela Disney e que acredita que "ele" anda por aí. (A Disney e Hollywood estão juntas nisto.)

Mas como se tudo isso não fosse já difícil, eis que entra em cena o nosso amigo hiv. E agora sim, isto é um desafio. Todos os dias dou comigo a observar pessoas, a pensar se são o tipo de pessoa que aceitaria uma "condição" destas. Todos os amigos tentam tranquilizar-me dizendo que hoje em dia, isso não vai ser obstáculo, que as pessoas estão muito melhor informadas, etc... Mas eu, convicto de quem sou, daquilo que valho e mereço, não consigo deixar de achar que é preciso alguém "grande" para ultrapassar isto. E se conhecer alguém, ter interesse por alguém, ser retribuído nesses sentimentos, já é difícil, depois disso tudo ainda tem de ser alguém que aceite dividir a sua vida com alguém que tem hiv. É claro que podemos sempre restringir o grupo a outros seropositivos, pelo menos ultrapassa-se logo essa barreira. Mas isso parece-me redutor e faz-me sempre lembrar guetos... Tento sempre, no final destas deambulações, convencer-me a estar aberto a o que quer que seja. (Como é óbvio, tudo isto são assuntos muito pessoais, não estou aqui a julgar ninguém. Aliás, como sempre, penso alto, apenas. )

Mas é algo que me faz pensar e que me assusta um pouco. Tento não perder muito tempo a pensar nisto ("Que sera, sera..."). Mas a verdade é que esta é mais uma parte da vida que muda em definitivo, quando se tem hiv. Torna-se tudo um pouco mais complicado. Pode até acontecer que não seja o caso, o que seria impecável. Mas há que considerar todas as variáveis.

Eu, mesmo assim, e enquanto me debato com isto, não deixo de esperar. O Prince Charming há-de aparecer. E quando assim for, o hiv não vai interessar nada.

Friday, June 28, 2013

Meds


Parece que são só aniversários, ultimamente. Há um mês e meio atrás, fez um ano desde o meu diagnóstico. Hoje, faz um ano desde que iniciei a terapia ARV.

Consigo lembrar-me daquela primeira noite como se fosse hoje. Não fazia ideia do que iria sentir depois de tomar aqueles dois comprimidos. Estive uns vinte minutos a olhar para eles e para o copo de água, em semi-pânico.

Hoje, posso dizer que tenho muita sorte. Sofri muito pouco com efeitos secundários e reagi muito bem: menos de um ano depois de começar a tomar os ARV's, a minha carga viral estava indetectável e os CD4 tinham subido quase 200 unidades.

Hoje, tomo Atripla, um comprimido apenas por dia. Parece simples, mas o verdadeiro sentimento de pânico de cada vez que acordo de manhã e me apercebo que me esqueci de tomar o comprimido na noite anterior é real e faz com que tudo seja mais complexo. Este comprimido permite-me tudo e essa é uma sensação estranha.

Há umas semanas, estava a ver um filme sobre uma catástrofe natural apocalíptica, género do qual sempre gostei. Mas desta vez foi diferente. A única coisa que conseguia pensar era "Se isto acontecesse, onde é que eu ia buscar comprimidos??" E, por ridículo que possa parecer, este medo é real. É horrível ter esta sensação que somos governados por uma droga, um pequeno comprimido por dia. Mas esta é uma nova realidade, é uma nova vida.

E podia ser pior.

Thursday, June 20, 2013

Parabéns atrasados


Tal como iniciei este blog um mês depois de ter sido diagnosticado, queria ter assinalado duas datas: quando fez um ano depois do diagnóstico e quando este blog completou o seu primeiro aniversário. Falhei as duas datas e isso parece-me elucidativo sobre muito do que se passou...

Realmente, já fez um ano desde o meu diagnóstico. É incrível como o tempo passa mas isso diz-se acerca de quase tudo na vida. Estava muito ansioso com este primeiro aniversário: todos os médicos me disseram que os primeiros 12 meses após um diagnóstico deste calibre eram importantíssimos, vitais; que era nesse período que nos resolvíamos e aceitávamos a situação. E eu foquei-me nisso. E penso que, ingenuamente, esperava que, de forma mágica, algo fosse sarado quando esses 12 meses terminassem. Fiz toda a força para fazer o meu luto dentro desse período e queria virar a página assim que essa data chegasse. Pensei que tinha dado a mim mesmo um ano inteiro para me habituar a uma nova realidade, para ficar triste, para ficar revoltado, para ficar deprimido. E assim que esse período terminasse, não iria permitir-me mais tempo para me sentir dessa maneira.

Infelizmente, e por muito cliché que isto possa soar, a vida realmente nem sempre é como nós a queremos. E o processo de luto é algo pessoal e que irá durar quanto tempo quiser. Podemos, obviamente, tentar fazer algo para nos ajudar a lidar com uma situação mais triste ou trágica, mas a verdade é que só avançamos quando estamos prontos para avançar.

E eu, completamente iludido com essa noção de controlo sobre os meus próprios sentimentos, avancei para o 1º aniversário com total confiança. Iria começar uma nova fase, logo a seguir: cheia de promessas, de novos horizontes, de novas formas de estar. 

...

Não. Não foi nada disso que aconteceu. Na verdade, foi o inverso. Logo a seguir a esse aniversário, comecei a ficar introspectivo. Senti-me um pouco a afundar na realização crua que, de facto, esta é a minha vida agora. E não pretendo ser dramático. Mas não é fácil conseguir compreender/ aceitar a permanência das coisas, a imutabilidade de certos factos. E afundei, afundei, afundei...

É verdade que é possível olhar para uma situação de várias maneiras possíveis: copo meio cheio, copo meio vazio... Mas, nas semanas a seguir à tal data tão importante, só conseguia ver, com um olhar assustadoramente lúcido e triste, que eu não ia ver-me livre disto nunca. E quando digo isto, falo do vírus, não deste estado emocional. Passei noites deitado no sofá a pensar em tudo aquilo que tinha mudado, em todos os medos, todas as dificuldades do caminho. E, digo-o sem pudor, senti-me a ficar um pouco louco outra vez. Senti-me como naquelas primeiras semanas após o diagnóstico, em que a cada vinte minutos sentia o choque da notícia, over and over and over again...

E por tudo isto se explica a minha ausência. Penso que o entorpecimento era tão grande que tinha coisas para dizer e para partilhar mas não conseguia identificá-las, não conseguia sequer reunir a energia para tentar.

Agora, sinto-me melhor. Decidi que parte da saída do luto era a recuperação do controlo. Porque parece que alguém nos tira esse poder sobre nós próprios, sobre a nossa vida. E decidi que tinha de assumir essa perda e lutar para conquistar essa sensação, essa realidade. E agora estou nesse caminho. E hei-de estar... Porque isto ainda vai durar mais um pouco.

É engraçado o quanto se aprende na face da adversidade. O luto não é nosso, não nos pertence, não o dominamos. O luto dura o tempo que quiser, o tempo que precisar. E nós temos de fazer o melhor desse período, certificarmo-nos que vivemos bem, que sentimos bem essa fase, para que mais tarde não voltemos lá para continuar a penar por algo que não ficou resolvido. E, no final do dia, só podemos fazer o nosso melhor. A mais do que isso, ninguém é obrigado.


Thursday, March 7, 2013

Tu falas alto, mas quem manda aqui sou eu


Hoje, faz 10 meses desde o diagnóstico.
Sinto-me estranho. Sinto-me quase optimista. É estranho que "quase optimista" seja estranho.
Tudo isto é estranho, nada há a fazer.

Dei a mim mesmo os 12 meses de luto. "Vais ter um ano para engolir este sapo, para te conformares, para perceberes o que isto quer dizer, para chorar, para ser amargo, para todas essas merdas. Depois, segues em frente."

Obviamente, não posso levar isto totalmente à letra. Mas, a verdade é que realmente quero cumprir com o famoso período de 12 meses de luto. E não esticar muito mais para além disso. Imagino que alguém que tenha sido diagnosticado há muito mais tempo que eu, leia estas palavras e não consiga evitar um sorriso, uma risada até, pela minha ingenuidade. Aceito isso e acredito! Sei lá o que aí vem, sei lá como vou estar daqui a um ano. Talvez daqui a um ano eu próprio me ria ao reler isto.

Mas agora faço o melhor que posso. E por muito que isto custe, por muito que ainda doa, por muito que, por vezes, ainda me choque, por difícil que seja, prefiro atirar-me à vida com todas as minhas garras. Não ser demasiado brando comigo. Usar todas aquelas verdades que se usam para consolar ("Posso fazer uma vida normal, isto não é uma sentença de morte, não muda assim tanto") e consolar-me, acreditar nelas objectivamente. Se são verdades, porquê virar-lhes as costas como se elas não chegassem? Se é verdade, vou fazer um esforço para as ter como verdade, acreditar nelas e andar na direcção oposta de um abismo, deste abismo. Um abismo que, confesso, é tentador, mas, meus amigos, eu realmente tenho mais que fazer.

Imagino-me, por vezes, a rosnar à frente do hiv. A rugir. Como quem diz "tu falas alto, mas quem manda aqui sou eu". É a minha forma de tentar fazer com a minha vida aquilo que eu quiser, assumir (retomar) algum controlo, recuperar as rédeas disto. Porque, na verdade, também se trata disso. Depois de ter sido diagnosticado, era "isto" que conduzia a minha vida. Era este medo que mostrava o caminho. E, um dia, percebi que ia ser sempre assim. A menos que eu tomasse uma atitude. E foi aí que decidi não deixar este luto arrastar-se indefinidamente. Não deixar este luto definir-me. Até porque quando um luto se estica demasiado no tempo, ele começa a moldar-nos, a mudar-nos. E assimilamos determinadas características próprias de um estado de luto. E eu não quero ser assim, não quero viver assim. Quero a alegria de antes, outra vez. Quero ainda mais, na verdade, porque agora dou um valor diferente às coisas.

Eu quero é ser feliz. Ponto.



Tuesday, January 8, 2013

8

Hoje pela primeira vez pensei "a minha vida é igual". Depois apercebi-me que hoje faz oito meses. Pela primeira vez em oito meses, senti que sou a mesma pessoa que era antes. Vou ali digerir esta vitória e já venho.

Friday, January 4, 2013

Há coisas para fazer


Pergunto-me várias vezes qual o propósito de ter sido infectado com hiv. Eu, que sou um gajo que acredita, não consigo evitar pensar que isto tem de ser aproveitado para algo maior, maior que eu, maior que isto. Dou voltas à cabeça, risco as ideias mais óbvias, continuo à procura. Talvez seja idiota pensar que há um objectivo nisto. Talvez seja uma gigantesca demonstração de uma megalomania à espreita, um delírio semi-messiânico.

Mas, por outro lado, irrita-me pensar que o que tenho a fazer é simplesmente tratar de mim, aceitar a doença, seguir em frente. Não que haja algo de errado com isso, não que isso seja propriamente fácil. Aliás, é a tarefa mais difícil que já enfrentei, na verdade. Mas parece-me redutor não tentar usar isto para melhorar a vida de alguém, a visão de alguém...

Conversava no outro dia com alguém que falava em "carregar bandeiras". Essa ideia irrita-me, por sí só. Não quero carregar bandeiras de nada. Aliás, a minha resposta nesse dia foi que a única bandeira que temos de carregar é a nossa bandeira individual, é por essa, principalmente, que temos de lutar. Não quero carregar o estandarte do hiv. Mas é como um amigo me disse há uns anos quando lhe perguntei se ele (homossexual) defendia activamente os direitos dos gays. Ele respondeu-me que defendia os direitos humanos...

Acho que a questão aqui é sempre mais abrangente. Não se trata de fazer uma marcha, trata-se de usar uma "tragédia" pessoal para ajudar/ melhorar algo ou alguém. Fazer alguma diferença. Isto começa a soar-me terrivelmente egoísta... mas não é esse o objectivo!
Obviamente, para ajudarmos outros, temos primeiramente de conseguir ajudar-nos a nós próprios. Só quando estamos a 100%, quando estamos/somos saudáveis, a todos os níveis, é que podemos oferecer-nos a outros e prestar qualquer tipo de ajuda real. De outra forma, vamos piorar tudo. E eu estou a trabalhar nisso. Estou a tentar passar por todas as fases de luto que este diagnóstico me tem colocado pela frente, não saltando nenhuma, para daqui a uns tempos poder dizer que estou verdadeiramente bem. Digeri, compreendi, aceitei. Há que compreender, há que aceitar, há que perdoar.

Eu hei-de estar bem. Eu hei-de conseguir perceber isto. Entretanto, let's keep moving forward.

PS. Ah! Feliz 2013...

Tuesday, December 25, 2012

Natal I


Faz quase dois meses desde a última vez que escrevi aqui. Deixei de escrever, não por falta de necessidade ou de vontade, mas porque, de repente, o discurso fluido (até então) interrompeu-se. Detesto ter de fazer seja o que for por obrigação, e escrever aqui encaixa nessa categoria. 

Queria obrigar-me a escrever porque queria continuar o blog, continuava a ter coisas para dizer, mas houve um writer's block qualquer que me travou.

Hoje, já sabia que, mais cedo ou mais tarde durante o dia, viria cá. O Natal deixa-me sempre nostálgico. Há uma série de circunstâncias um pouco incontroláveis que fazem com que as expectativas em relação a esta época disparem e quando não é uma altura tão feliz quanto antecipámos, sentimo-nos defraudados. 

Este é o primeiro Natal desde que fui diagnosticado. Sinto que a minha estabilidade emocional tem vindo a derrubar barreiras nos últimos tempos (faz hoje sete meses e dezoito dias desde o diagnóstico, but who's counting?...) mas confesso que estava um pouco apreensivo em relação a esta altura do ano. Quando passo muito tempo com a família, continuo com aquela sensação de que, a qualquer momento, a "verdade" vai saltar-me da boca, sem eu o poder evitar, e revelar-se a todos. Assustava-me imenso, cheguei a sonhar que a minha família descobria onde eu tinha os ARV's escondidos e tinha de lhes contar tudo... 

Mas, curiosamente, estava até com algum entusiasmo em relação a esta fase. Obviamente, a quadra não foi muito parecida com o que tinha pensado, pelo menos cá por casa. E o que provocou isso foram pequenas situações, pequenas tricas, pequenos comentários no ambiente em que me encontrava. E dei por mim a tentar salvar o dia. Dei por mim a tentar animar as pessoas, a tentar criar um bom ambiente, de alegria e descontracção. De repente, a ironia disto tudo caiu em mim. Eu, louco e instável, a tentar salvar o Natal!

A verdade é que as pessoas, por vezes, conseguem ir buscar forças e perspectiva a sítios desconhecidos e nas alturas mais difíceis. Não sei bem como, mas acontece. E agora, estou aqui, a desejar que isto acabe, mas feliz porque a cada momento que passa, é mais um que passou. E poderei dizer que sobrevivi ao primeiro Natal sem ter um colapso nervoso.

E agora é altura de voltar a escrever porque há coisas que continuam a ter de ser relatadas. Já estou na segunda metade daquele período de 12 meses anunciado como o período make or break após este diagnóstico. Já resolvi algumas coisas, mas continuo a ter de resolver outras. E quero partilhar isso aqui. Por várias razões, talvez isso possa ajudar outros (fico triste ao pensar em alguém a iniciar este caminho agora...). 

Preciso de purgar isto tudo. Um dia, venho aqui e relembro o que estava a sentir nesta fase, o que me passava pela cabeça, como eu imaginava o futuro e o quão diferente ele é. Quero que seja um álbum de fotografias mentais deste ano. Para que nunca me esqueça.



Friday, October 26, 2012

Alexandra

Vi o vídeo desta reportagem no site dezanove e confesso que o que vi foi melhor do que estava à espera, avaliando só pelo título do artigo.

Deixo aqui o link porque vale mesmo a pena ver a história da Alexandra. Só tenho pena de não fazer a mínima ideia de como poder escrever-lhe. Apenas para lhe agradecer.

"A inspiradora história de Alexandra - SIC"


Wednesday, October 24, 2012

A culpa


Há um turbilhão de sentimentos que me têm invadido desde o "fatídico" dia. Um que me tem assolado particularmente é a culpa.

É impossível saber com exactidão, nas minhas circunstâncias, de onde veio a minha infecção. Quando descobri, tentei falar com as pessoas com quem tinha tido um contacto sexual antes de ter assumido uma relação monogâmica, cerca de um ano antes do diagnóstico. Todas elas estavam "limpas" (cada vez detesto mais o uso desta expressão... estarei eu sujo???). O que quer dizer que a minha infecção veio de um outro contacto sexual mais "casual" ou veio da pessoa com quem entretanto entrei numa relação. Devido a timings de testes de despiste, etc, chegámos à conclusão que as probabilidades/ circunstâncias ditavam que a infecção tinha acontecido primeiro a mim e só depois ao meu namorado.

Lembro-me de estarmos os dois no hospital à espera da folhinha de papel e eu rezava (literalmente rezava). Rezava para que nada daquilo se concretizasse, para que tudo fosse apenas um gigantesco e horrível susto, para que se se confirmasse que eu estava infectado, pelo menos que o meu namorado não estivesse (pensava eu que, com alguma sorte, talvez nunca tivesse passado para ele). Acima de tudo, este último desejo: conseguia conviver com o facto de eu estar infectado, mas não com o facto de ter trazido "isto" para a vida dele.

Entretanto, confirmou-se o pior.

Hoje, pergunto-me: como é que eu vivo com este sentimento de culpa? Como é que consigo viver dia após dia, sabendo que se eu tivesse tido mais cuidado, não estaríamos nesta situação? Por outro lado, se eu e ele tivéssemos tido mais cuidado, não estaríamos também nesta situação...

A verdade é que uma infecção, quando ocorre durante uma relação sexual, acontece sempre por (ir)responsabilidade de duas pessoas. Nenhum de nós apontou uma pistola ao outro e o obrigou a ter relações desprotegidas. Estes são os factos. Na verdade, eu não "trouxe" isto para a vida dele. Os nossos comportamentos fizeram isso. Há um grande factor de responsabilidade que está envolvido em toda esta situação. Como tudo na vida, tenho eu vindo a descobrir gradualmente, tudo passa por escolhas. E há alturas em que é necessário assumir que nós é que fizemos essas escolhas, mesmo que tenham sido erradas, mesmo que tenham tido consequências catastróficas, mesmo que sintamos um arrependimento profundo em relação a elas.

Acho que tenho de aprender a fazer as pazes com as escolhas que fiz no passado. Algumas foram certas, outras foram terrivelmente erradas. Mas não posso assumir responsabilidade total pelas consequências de algumas delas. Um dia, de uma vez por todas, terei de ser capaz de me perdoar, de resolver esta culpa, este fardo que, embora normal (por um ponto de vista), não é justificado, não é justo, não é possível. Não sei se ele me perdoou, se algum dia será capaz de o fazer, ou se algum dia me culpou realmente por tudo isto. Sei que eu tenho de chegar a algum acordo comigo mesmo, tenho de ultrapassar, tenho de perdoar.

Claro que este é o meu lado objectivo e racional a falar. Mas um dia, o meu lado emocional chega lá também.

Wednesday, September 19, 2012

Precisamos de uma Lady Gaga

Confesso que não gosto muito da Lady Gaga. Gosto de duas ou três canções dela e acho piada a certas "coisas" dela, mas no geral acho demasiado sobreestimado. Talvez um dia mude de ideias.

No entanto, o que me surpreende é a quantidade de gente que ela tocou. A mulher tem vendido como ninguém, tem mais seguidores no Twitter que qualquer outra pessoa no mundo e muitos adolescentes são completamente maluquinhos por ela. E pergunto-me: " Que nervo é que ela tocou para ter conseguido isto? Que espaço vazio é que ela veio preencher?" Ok, na verdade, não costumo perguntar-me acerca da Lady Gaga, mas dá-me jeito para o post.

E onde quero chegar com isto é aqui: nós precisamos de uma Lady Gaga. E por "nós" quero dizer "nós, os seropositivos". Quem me ler que me perdoe, eu sei que estou sempre a falar no estigma do hiv, mas essa sim, é uma questão que me ocupa a mente. Quando faço uma pesquisa na internet do género "Celebrities with hiv", aparecem-me muito poucos resultados. E a maior parte é um grupo de pessoas desconhecidas de muita gente. Era bom que aparecesse alguém com o impacto da Lady Gaga, com o alcance global que a senhora tem, com a pica toda que a senhora tem, e depois dissesse: "I'm hiv positive." Ia desmistificar tanta coisa! Ia pôr uma cara no vírus, dar-lhe uma identidade, tirá-lo do anonimato. Talvez isto seja um fardo demasiado pesado, mas não tem de ser. As pessoas não conhecem ninguém com hiv (pensam elas...) e ao dar-lhes um modelo (e ainda por cima um que dança, canta, anda de um lado para o outro, tem uma personalidade), iam perceber que é possível que qualquer pessoa tenha este vírus dentro de si e que não tem de ser algo estranho, pode ser apenas algo com que se vive. Para além de todos os efeitos colaterais consequentes: um aumento da consciência desta condição e do que ela engloba, um melhor conhecimento de formas de prevenção e, claro, uma desmistificação, um atenuar da estigmatização.

Tal como o Ricky Martin sair do armário veio ajudar as comunidades gays latinas e um pouco por todo o mundo, precisávamos de alguém do género a fazer o mesmo por nós. Mostrar que isto não tem de ser um bicho de sete cabeças. Mostrar que não é preciso andarmos escondidos ou com medo. Que há coisas bem piores.

Alguém se oferece?

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